A regulamentação do programa de estágio da DPU


O estagiário sofre. Essa postagem foi originalmente publicada num grupo dos estagiários na Defensoria Pública da União na Bahia, mas vem bem a calhar ao blog... Há algum tempo atrás ouvi dizer que um defensor disse que existem dois resquícios de escravidão no país: a empregada doméstica e o estagiário, acho que deve ter sido com esse pensamento que a DPU regulamentou seu program de estágio...

"Olá colegas, gostaria de expressar minha humilde opinião e desabafo a respeito da "Regulamentação do Programa de Estágio da DPU", bem como gostaria de saber o que vocês pensam a respeito.

Não fosse suficiente a insatisfação com o ínfimo valor da Bolsa, que ficou mantido pelo art. 9º da referida portaria, existem outros pontos ali descritos que chamaram minha atenção.

O primeiro deles diz respeito, a já tão discutida entre nós, impossibilidade de adoecer imposta agora diretamente pelo Defensor Público-Geral Federal, pois assim reza o regulamento, em seu art. 10:

"§ 4º O afastamento para tratar da própria saúde, condicionado à apresentação de atestado médico, deverá ser registrado na frequência do estagiário para efeito de abono da bolsa de estágio, dos dias de licença médica, respeitando-se o limite de cinco dias corridos ou quinze dias intercalados no período de um ano.
§ 5º A partir do sexto dia corrido ou do décimo sexto dia intercalado de afastamento médico, dentro do período de um ano, não será devido o abono da bolsa de que trata o parágrafo anterior".

Isso me parece um completo absurdo. Primeiro por não conceder a bolsa quando ultrapassado 5 dias, segundo por limitar a 15 dias por ano... Totalmente desarrazoada a norma. A título de comparação, gostaria de apresentá-los a PORTARIA PGR/MPU Nº 378 que regulamenta o programa de estágio do MPF também em seu art. 10, aplicando, acertadamente, a meu ver, a legislação trabalhista de modo subsidiário:

"Art. 10. Poderá o estagiário ausentar-se, sem prejuízo da bolsa de estágio:
I – sem limite de dias, por motivo de doença que o impossibilite de comparecer ao local do estágio ou, se acometido de doença contagiosa, durante o período de contágio;
II – por 8 (oito) dias consecutivos em razão de falecimento do cônjuge, companheiro,
pais, madrasta ou padrasto, filhos, enteados, menor sob guarda ou tutela e irmãos;
III – pelo dobro dos dias de convocação, em virtude de requisição da Justiça Eleitoral
durante os períodos de eleição;
IV – por 1 (um) dia, por motivo de apresentação para alistamento militar e seleção para o serviço militar;
V – por 1 (um) dia, para doação de sangue;
VI – por 1 (um) dia, por motivo júri e outros serviços obrigatórios por lei".

Prosseguindo nessa breve análise, outro ponto me chamou atenção foi referente a supervisão do estágio. Todos os estagiários de nível superior são, obrigatoriamente, supervisionados por alguém que tenha formação na mesma área de conhecimento, exceto aqueles do Curso de Direito (37, parágrafo único). Isso implica que qualquer servidor com nível superior poderá ser supervisor dos estagiários de Direito, inclusive para contagem de número de estagiários que será 10 vezes o número de supervisores (art. 38).


Também, acredito que a finalidade do programa de estágio fica evidentemente comprometida se não houver supervisão por um profissional da área, seja um defensor ou um assessor...

Finalmente, a quantidade de estagiários é absurdamente grande com essa regra, ora, salvo engano temos quase 80 estagiários ou mais para 15 ou 16 defensores, mais uma vez, a título de comparação, no âmbito do Ministério Público há uma resolução do Conselho Nacional do MP (RESOLUÇÃO Nº 42, DE 16 DE JUNHO DE 2009) que limita em seu art. 11:

"Art. 11 O quantitativo de estagiários, nos termos do Ato Administrativo, não excederá:
I – ao estágio de nível médio, o que dispõe o art. 17 da Lei n° 11.788/08.
II - ao estágio de nível médio profissional e de nível superior:
a) para a área jurídica, o dobro do total dos membros do Ministério Público em exercício;
b) para a área administrativa, trinta (30%) por cento do total de servidores em exercício".

Pode até parecer uma utopia querer comparar a estrutura do Ministério Público com a da Defensoria. E é, sem dúvida, mas também não acho justo que uma instituição com o potencial da mesma sobreviva à custa dos estagiários e ainda assim limite o exercício dos direitos mais básicos daqueles que são essenciais à sua manutenção e desenvolvimento. A norma é bem clara e não me parece que permita interpretações mais benevolentes e, ainda que assim o fosse sempre ficaríamos a mercê da deliberação do defensor responsável, ou do defensor-chefe na unidade. O que, se me permitem, nunca será o melhor caminho.

De mais a mais, devo dizer, que no momento não pretendo adoecer (oxalá não fique mais de 5 dias!), mas outros colegas podem necessitar de tais afastamentos e sem dúvida, agora com a regulamentação específica do tema, com a experiência que vemos no que tange ás concessões na DPU, com a velocidade que as nossas reivindicações são atendida e com a inevitável subordinação à Brasília acredito que será extremamente complicado.

E falo tudo isso porque respeito e admiro bastante, a Instituição, e pretendo contribuir com o seu crescimento, mas infelizmente não concordo com a “mais valia” do estagiário.
Para finalizar esse meu desabafo, vem-me a cabeça um trecho cômico, senão trágico, do tão festejado Lenio Streck:

“Eles fazem de tudo. Neste momento, um estagiário, ou vários deles, podem estar controlando o seu voo. A Infraero tem muitos estagiários. Torço para que eles sejam tão bons quanto os que estagiam no meu gabinete. Estagiários de todo mundo: uni-vos. Nada tendes a perder senão vossos manuais recheados de enunciados prêt à porter, prêt à parler, prêt à penser que os professores vos mandam comprar. Estagiários de toda a nação: indignai-vos face à exploração a que estão submetidos”  (A tomada de poder pelos estagiários e o novo regime, cuja leitura recomendo. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-abr-12/senso-incomum-tomada-poder-pelos-estagiarios-regime)".



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