Reforma Trabalhista

(textão postado originalmente no facebook)





Aproveitando o Dia do Trabalhador, vou usar um pouco do meu tempo e dos meus poucos conhecimentos na área para analisar o Projeto de Lei 6787/16, do Poder Executivo, conhecido como a “reforma trabalhista”.

Pretendo aqui uma análise técnico-jurídica do projeto pois tenho visto inúmeras opiniões simplórias (de defensores a opositores) que não condizem com o real alcance da proposta mas com argumentos apelativos e convincentes que são facilmente difundidos.

Embora não seja um ator da área trabalhista, creio que possa contribuir de alguma forma.

Pois bem.

Tenho visto o nosso atual Presidente reiteradamente informar que as leis trabalhistas precisam ser modernizadas e usar desse argumento para afirmar que a “reforma trabalhista” será fundamental para a geração de empregos.

Ele está correto. Parcialmente correto. A Consolidação das Leis Trabalhistas (Decreto-lei n.º 5.452) foi aprovado em de 1º de maio de 1943, por Getúlio Vargas e é óbvio que embora tenha sido alterada por inúmeras leis está longe de alcançar as relações sociais atuais.

De fato, atualmente o custo operacional da mão de obra no Brasil é muito alto. Como não dá mais para acreditar na imprensa brasileira, consultei o Relatório Anual sobre a competitividade dos países publicado pelo International Institute for Management Development (IMD) desde 1989. Conhecido como Índice de Competitividade Mundial (em inglês: World Competitiveness Yearbook), o Brasil ocupa atualmente a honrosa posição de 57, no universo de 60 países ficando a frente da Croácia, Ucrânia e Mongólia, contudo atrás da Grécia. http://www.imd.org/news/updates/the-usa-toppled-as-worlds-most-competitive-economy/

Outro fato cuja negativa é impossível é a enorme quantidade de processos judiciais trabalhistas. Em 2016 chegou-se a marca de 3 milhões de novas ações. Essa quantidade, não chega nem perto de nenhum outro país do mundo.

Partindo dessas três simples premissas: “a lei é antiga”, “o custo da mão de obra está atos” e “há muitos processos trabalhistas”, chega-se facilmente a conclusão de que o Presidente estaria correto em seu discurso.

Contudo não é bem assim…

Creio que uma Reforma de verdade, legítima e democrática precise envolver todos os interessados. É necessário colocar patrões, sindicatos, trabalhadores, judiciários, governo juntos numa mesa de discussão e dali surgir algo que satisfaça anseios, retire privilégios de todos assim como resguarde direitos básicos.

Como se viu, não foi em assim que aconteceu. Então aqui a minha primeira crítica é do ponto de vista formal. O Governo empurrou essa “reforma trabalhista” na Câmara, com regime de urgência e toda a pressão e discurso do medo “Se não reformar o mundo vai acabar”.

Não é assim que se faz. Não é desse jeito! Só de Constituição temos aí três décadas e o Congresso mantém-se inerte numa reforma necessária sim, mas não nos termos propostos.

De plano, convém destacar a existência de boas propostas dentro da “reforma trabalhistas”: O teletrabalho foi regulamentado, um parâmetro indenizatório também foi regulamentado: ofensa extrapatrimonial leve, média e grave vinculando cada uma a uma quantidade de salários, para ambas as partes, vi também a possibilidade de demissão por justa causa daquele que perde a habilitação para o exercício da profissão, entre outras.

Contudo vou limitar minha análise a três pontos da proposta: sindicatos; terceirização e o mais importante: negociação direta com o empregador.

SINDICATOS

Sem dúvida temos problemas na representatividade exercida pelos sindicatos brasileiros. Vale dizer dos milhares de sindicatos existentes no país, boa parte deles vinculados umbilicalmente a partidos políticos.

Há alguns que se tornaram verdadeiros feudos em que o poder vem se perpetuando e enriquecendo as famílias ao passo que o interesse dos sindicalizados vem sendo deixado de lado. (Vale lembrar essa reportagem que embora da Globo, como é antiga não deve ter sido tão influenciada:http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2015/06/dirigentes-de-sindicatos-enriquecem-com-desvio-de-dinheiro.html)

Os empregados a seu turno são descrentes da atuação sindical, não se veem defendidos em seus direitos (e digo já ter visto com meus próprios olhos sindicato homologar dispensa de gestante).

Enfim, há uma crise. Qual a solução para ela? Não sei, ora!!! Sem dúvida ela precisa ser construída, negociada, como disse acima, com todos os envolvidos. Mas o que a reforma faz?
Primeiro ela quebra as pernas do sindicato acabando com o imposto obrigatório. Aqui vale um parêntese: um dia por ano do seu trabalho é recolhido para o seu sindicato conforme atual art. 580 da CLT. Eu, pessoalmente, não acho um valor exorbitante desde que houvesse uma contrapartida a contento e creio que boa parte da população também não se irresignaria se, e somente si, não tivesse a visão de que sindicato é reduto de esquerdistas! (PS. Aos meus amigos do sindicato não estou dizendo que o sindicato se resume a isso mas, entendo que essa é a visão de boa parte da população).

Segundo, atuação em geral do sindicato é reduzida na medida em que retira a obrigatoriedade de homologação sindical das rescisões e autoriza demissões em massa sem a necessidade de negociação coletiva, hoje exigida pela jurisprudência. Além é claro de permitir que a negociação individual se sobreponha aos acordos coletivos.

Terceiro: cria uma “comissão representativa dos empregados”, incluindo o art. 510- A, ao lado da disposição acerca dos sindicatos, que pretende fazer as vezes do sindicato sem as garantias necessárias que os mesmos tem! (quem quiser conferir essa aqui pra mim é um dos maiores golpes ao sindicalismo, embora eu tenha minhas sérias reservas).

TERCEIRIZAÇÃO

Todo mundo conhece algum terceirizado aqui. Quem não tem um amigo que trabalha(ou) na Contax (terceirizada da OI) ou trabalha para algumas das centenas de terceirizadas da Petrobrás? E no serviço público, quem não conhece ninguém que presta serviço para o Estado através de uma empresa terceirizada?

A terceirização está aí e não adianta espernear porque ela veio para ficar. E também não é o bicho papão pois pode ser sim muito boa. Imaginem uma empresa química no polo de Camaçari com sua mão de obra especializada na sua atividade fim, precisa contratar dois seguranças, que precisam ter porte de armas, cursos específicos, fardamentos específicos etc etc etc…

Terceirizar nesse caso, é bom para a empresa, deveria ser melhor para o empregado pois na empresa terceirizada sua classe tem força para negociação e no fim se houver algum problema ambas as empresas respondiam em juízo.

Mas na prática não é isso que acontece.

A ilustrar o quadro da situação de labor dos terceirizados, dados de 2013 do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) indicam que eles têm salário 24% menores do que os contratados diretamente; trabalham, em média, 3 horas a mais por semana do que os demais; sofrem um maior número de acidentes de trabalho (em 2013, no setor elétrico, 61 dos 79 mortos eram terceirizados; nas obras de acabamento, dos 20 mortos, 18 eram terceirizados; nas obras de terraplanagem, foram 18 de 19) e são maioria entre as vítimas do trabalho escravo no Brasil (entre 2010 e 2013, dos 3,5 mil trabalhadores resgatados nas 10 maiores operações realizadas, quase 3 mil eram terceirizados).

Ao contrário da situação acima, na atual “reforma trabalhista” será possível terceirizar até mesmo a atividade-fim da empresa. Peço vênia para tomar as palavras do Desembargador Federal do Trabalho da 15ª Região, Eder Sivers, em artigo publicado em 2015 (http://www.estadao.com.br/noticias/geral,terceirizacao-modernizacao-ou-precarizacao-do-trabalho,1686275)

“Não é difícil concluir que a tese do patronato de redução de custos e aumento do dinamismo das empresas e dos negócios sem supressão dos direitos dos empregados não guarda a mínima correspondência com a realidade. Ora, de que maneira pode uma contratação ser mais barata quando se passa a incluir uma empresa intermediária que, por óbvio, também visa ao lucro? A matemática é simples: o custo só será menor à medida que houver arrocho salarial, aumento de jornadas e ausência de fiscalização das normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho”.

Era agora o momento para defender os trabalhadores dos efeitos da terceirização, garantir direitos, impedir a terceirização da atividade fim… tudo foi feito ao contrário do que se espera do Direito do Trabalho, isso nos leva ao nosso último ponto.

NEGOCIAÇÃO DIRETA COM O EMPREGADOR

Reitero que não sou da área trabalhista mas lembro de minhas aulas de Direito do Trabalho na Faculdade.
E recordo-me muito bem de como e para quê surgi o Direito do Trabalho.
O seu nascedouro se dá numa constatação simples: a relação travada entre empregado e empregador é desigual.
Isso porque o empregador detém os meios de capital e o empregado somente a mão de obra, que pode ser substituída por qualquer outro obreiro!

Esse descompasso é evidente: enquanto um oferece seu serviço (barato) o outro tem a sua disposição toda mão de obra desempregada.

Partindo dessa premissa, criam-se inúmeras regras que favorecem o trabalhador. Sim o direito do trabalho, de modo geral favorece o trabalhador! E precisa fazê-lo sob pena de perder-se em si mesmo!

Sob essa ótica, os sindicatos, as convenções coletivas, as limitações de jornada, etc etc etc. A lei trabalhista vem justamente para equilibrar essa relação jurídica desigual e impedir uma exploração desmedida da mão de obra.

Diante disso, surge a atual reforma com dizeres do tipo: “Negociado sobre o legislado” prevendo a sobreposição dos acordos coletivos em relação às convenções.

Isso no meu singelo entendimento é esvaziar a justiça do trabalho! É jogar o trabalhador aos leões e dizer: negocie. E ele vai negociar porque precisa sobreviver!

E se ele não ceder a tudo que o patronato quiser, tem uma fila de 14,2 milhões de desempregados ávidos a “negociar”.

CONCLUSÕES

Não estamos diante de uma Reforma Trabalhista. Estamos diante de uma escolha por parte do governo de f*#%@# com o trabalhador para fazer o Brasil voltar a crescer.
Há inúmeros pontos que precisam ser modificados na legislação trabalhista, veja-se, por exemplo, que não há uma menção sequer ao direito a greve que precisa ser regulamentado!
Mas como disse, isso deve partir de um processo democrático.
Se a reforma passar, sim, a taxa de desemprego vai cair bruscamente.
Há outras saídas? Óbvio que sim! Por exemplo, em vez de arrochar no trabalhador porque não desonerar a quantidade (exorbitante) de impostos paga pelo empregador?
Há erros também na Justiça do Trabalho? Sim, sem dúvida!
Até que ponto o empregador não é obrigado a violar de conceder direitos ao empregado para conseguir manter a empresa em funcionamento?

Em síntese, creio que é necessário uma reforma, democrática, onde todos os envolvidos cedam, em alguma medida, para um bem maior.

Neste primeiro de maio (já é dia 02…) sinto a necessidade de dizer que sou contra essa “reforma trabalhista”.

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