Discutindo a Lei do Ficha Limpa

A Lei Complementar nº 135 sem dúvida trouxe uma ampla matéria para o debate e se apresenta deveras oportuna a discussão neste fórum.

Meus comentários seguirão ordem diversa daquela proposta a fim de que possa melhor expor minhas opiniões.

Primeiramente deve-se analisar o momento de aplicabilidade da referida lei. Tal matéri foi examinada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 633.703 de Relatoria do Min. GILMAR MENDES,na qual pacificou-se a jurisprudência no que dizia respeito à inaplicabilidade das hipóteses de inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 135/10 às eleições de 2010.

A meu ver, qualquer tentativa de aplicação àquelas eleições esbarra expressamente no art. 16 da Carta Magna:

Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.

Digo isso porque ouvi uma construção teórica/retórica que conquistou inúmeros adeptos de que em suma-síntese, tal lei complementar deveria ter seus efeitos desde a promulgação da constituição, isto pelo seu caráter caráter de complementaridade, arguia-se que, a disciplina deveria remontar a 1988...

Não concordo. Entendo, portanto, que andou muito bem o STF ao manter o princípio da anuidade ao diploma legal. O judiciário não pode nem deve ter suas decisões em razão de qualquer forma de pressão seja popular, seja midiática, seja financeira. O papel deste poder é manter plena a plicação da Constituição Federal, ainda que desagrade boa parte da população.

Assisto temeroso inúmeros casos nos quais a justiça condena, sem provas, apenas em razão da pressão exercida pela sociedade, e, sem dúvida, tais decisões jamais serão exemplos de justiça.

No que diz respeito a aplicação do diploma aos fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor também posiciono-me pela possibilidade. A vexata questio neste âmbito refere-se ao conflito entre o direito adquirido art. 5º, inciso XXXVI (XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada) e a aplicação do mencionado diploma.

Com efeito, a pergunta que se deve por em questão é: há um direito adquirido á possibilidade de candidatar-se mesmo estando em situação que agora é causa de inelegibilidade?

Tenho para mim que tal direito somente se materializa quando do registro da candidatura, e se nesse momento a legislação em vigor prevê tais e tais requisitos, estes devem estar satisfeitos para que possamos falar em direito adquirido.

Diante desta constatação, em que pese as causas de inelegibilidade tenham sido praticadas antes da entrada em vigor da Lei Complementar nº 135, estas sem dúvida podem e devem ser levados em conta os requisitos lá previstos.

Por derradeiro, as implicações que advém de alguns dispositivos ao princípio da presunção de inocência. (art. 5º LVII)

Devo de plano asseverar que ouso discordar do posicionamento parcial do STF, expresso no voto do insigne Ministro Luiz Fux.

Primeiramente, insta salientar que seu voto é uma aula de direito, na qual como estudante sinto-me motivado em saber que nas esferas superiores, em que pese a influência política, temos grande nomes representando e dando a última palavra sobre questões tão relevantes.

Passemos a análise.

O grande problema surge quando o legislador resolve aplicar a penalidade de inelegibilidade aos condenados em decisão proferida por órgão judicial colegiado que ainda não transitou em julgado.

O primeiro argumento que foi utilizado para manter a aplicação desta norma é que princípio da presunção de inocência é diretamente ligada a esfera criminal, vejamos:

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

Assim, a inelegibilidade não seria um efeito penal e portanto não estaríamos indo de encontro à CF.

Contudo, como bem analisou o Min. Relator, a presunção de inocência já havia há muito sido estendida a esfera eleitoral:

"(...)Por outro lado, o percuciente exame do Min. CELSO DE MELLO na ADPF 144 buscou as raízes históricas da norma em apreço, resgatando o debate que vicejou na doutrina italiana para salientar o caráter democrático da previsão constitucional da presunção de inocência na Carta de 1988, sobretudo na superação da ordem autoritária que se instaurou no país de 1964 a 1985, e para afirmar a aplicação extrapenal do princípio.(...)"

E prossegue o eminente relator:

"Assinale-se, então, que, neste momento, vive-se – felizmente, aliás – quadra histórica bem distinta. São notórios a crise do sistema representativo brasileiro e o anseio da população pela moralização do exercício dos mandatos eletivos no país. Prova maior disso é o fenômeno da judicialização da política, que certamente decorre do reconhecimento da independência do Poder Judiciário no Brasil, mas também é resultado da desilusão com a política majoritária, como bem relatado em obra coletiva organizada por VANICE REGINA LÍRIO DO VALLE (Ativismo Jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal. Curitiba: Juruá, 2009).

O salutar amadurecimento institucional do país recomenda uma revisão da jurisprudência desta Corte acerca da presunção de inocência no âmbito eleitoral."

Neste ponto, infelizmente sinto dissentir, relativizar uma direito fundamental não me parece ser a solução correta ao anseio da sociedade. A construção teórica do Ministro Fux é perfeita, entretanto, os argumentos trazidos solucionam as consequências mas não atingem o âmago do real problema.

Ao revés, parece-me uma notória mácula ao princípio da proibição do retrocesso social ao argumento de que o sacrifício exigido à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de cargos públicos e a própria democracia.

Pois bem. Proibimos aqueles que nessa situação se encontram de candidatar-se mas não os condenamos? Parece-me um contrassenso!! Porque a justiça consegue ser efetiva para alguns crimes (tráfico, roubo, furto) e para alguns autores (estatisticamente: negro, analfabetos e pobres) e jamais o trânsito em julgado de crimes do colarinho branco?

Aqui na Bahia, por exemplo, temos a seguinte situação:

4 - Presos por escolaridade (até fundamental) – Infopen – Bahia – Sist. Penitenciário



Analfabetos: 1.172 (13,18%)

Alfabetizados: 1.536 (17,28%)

Ensino Fundamental Incompleto: 4.018 (45,21%)

Ensino Fundamental Completo: 799 (8,99%)



Total: 7.525 (84,66%)



5 - Presos por escolaridade (Ensino Médio) – Infopen – Bahia – Sist.. Penitenciário



Ensino Médio Incompleto: 737 (8,29%)

Ensino Médio Completo: 510 (5,73%)



Total: 1.247 (14,02%)



Fundamental e Médio: 8.772 (98,68%)



6 - Por escolaridade (Superior ou mais) – Infopen – Bahia – Sist. Penitenciário



Superior incompleto: 75 (0,84%)

Superior completo: 25 (0,28%)

Acima Superior: 0 (0%)



Total: 1,12%



7 - Presos por crimes cometidos – Infopen – Bahia



Patrimônio: 3.890 (43,65%)

Tráfico: 2.283 (25,62%)

Pessoa: 1.524 (17,10%)

Costumes: 764 (8,57%)

Estatuto do Desarmamento: 268 (3%)

Paz Pública: 107 (1,2%)

Fé Pública: 32 (0,36%)

Lei Maria da Penha: 20 (0,22%)

Particular contra a Adm. Pública: 12 (0,13%)

Contra a Adm. Pública: 01 (0,001122%)





(grande palestra proferida em comemoração aos 70 anos do Patronato de Presos e Egressos do Estado da Bahia pelo Juiz de Direito Gerivaldo Neiva, disponível in: http://www.gerivaldoneiva.com/2011/05/principio-da-insignificancia-ou-o.html)






O que pretendo demonstrar com os dados acima é que a justiça pode ser eficiente, e se ela o fosse para com os políticos não seria necessário ferir de morte o princípio constitucional da presunção de inocência. É tapar o sol do grande problema do nosso judiciário com uma peneira, na qual possivelmente boa parte dos políticos que estão em situação de inelegibilidade conseguirão, através de cautelares (permitidas pelo art 26-A do mesmo diploma) continuar candidatando-se, exercendo seus cargos e até o fim do mandato não terão uma resposta final do judiciário.

Isto posto, afirmo que o real problema é a ineficiência da Justiça contra alguns de seus clientes e as mudanças operadas pelo Diploma aqui discutido além de inconstitucionais, não serão suficientes para a necessária mudança de paradigma.

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